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Dois anos no Porto e muita coisa mudou...

Se o tempo voa, o mundo capota.  Eu capotei muito nestes dois anos no Porto, mas também aprendi muito sobre mim e sobre o mundo ao meu redor. Escrevo este artigo na minha casa, enquanto observo a paisagem pela janela. Vejo a vizinha no prédio da frente fumando na varanda, as folhas balançando na mudança de estação, e de vez em quando aparece um passarinho ou um pombo por aqui.
Deixei as portas do armário abertas para o ar circular, afinal eu sou uma pessoa aérea, abrir portas, janelas, mentes, faz parte de mim. 
A quarentena foi uma loucura, um retrato do mundo e da humanidade. Estamos todos doentes, embora muitos estejam morrendo vítimas do COVID-19 ou das brutalidades contra a vida humana.
Eu não consigo escrever um texto bonitinho falando apenas sobre as ruas e a magia que existe no Porto, até porque a Disneylândia portuense está fechada, e o Mickey Mouse aqui está sem trabalhar. Ouço Adriana Calcanhotto, que também está em casa, e relembro de tudo que passei na minha vida até agora. Briguei com meus pais, com meus avós, até com Deus eu arranjei briga. Eu me revolto, eu me expando, eu não entendo o quê, o por quê das coisas e projeto uma quantidade absurda de raiva e rancor, uma Vênus sombria e amarga. 

Mas ainda estou no Porto, o Porto ainda está aqui. Confesso que me conheci muito mais agora do que nos últimos anos, graças a minha vontade de me conhecer, de aprender e de rever minhas feridas. A Ribeira está deserta, o Jardim do Morro tem sotaque brasileiro, as gaivotas vivem indiferentes. Há dias que chove, dias de sol, dias de praia*, dias de solidão, dias que me odeio, dias que me perdoo.

*lembrando que sou uma pessoa que faz o que prega, portanto, fiquei em casa, fiz minha parte durante a quarentena e não fui a praia, embora o isolamento em Portugal tenha sido feito com sucesso, mas de forma voluntária.

Eu adoro ser guia intérprete, a atenção, as pessoas, mas sobretudo o Porto, uma cidade que nunca dececpciona na hora de impressionar. Haviam visitas guiadas que não sabia mais o que mostrar na cidade, então recorria aos miradouros, já levei clientes em lugares onde nem eu mesmo sabia onde estava. 

"Na pior das hipóteses, vamos parar na beira do rio.", pensava eu nos meus primeiros tours.

Tudo foi rápido, rápido demais. Entrei no turismo mais rápido do que saí, imagina a loucura em ser guia de uma cidade que você não conhece, mas você fala cinco idiomas, tem passaporte bordô, o que pode dar errado, não é mesmo?

Fiz trinta e cinco horas semanais de formação em uma empresa local, eu precisava trabalhar para me manter pelo menos até setembro, mês que iria saber se entrei na faculdade ou não. Acabei não passando pro curso que queria, mas consegui passar em outro curso numa outra instituição.

Eu trabalhava em um escritório na entrada da rua Escura. Sim, eu trabalhava em uma das ruas mais "emblemáticas" do Porto, um local conhecido pelo passado das drogas e prostituição. Eu adorava o pessoal, conhecia toda a gente, me chamavam de "brasileiro". Quando a empresa quis me dar calote, eles ficaram do meu lado e achei isso lindo. Hoje em dia só haviam turistas e curiosos na rua. Tinha turista que parecia um zumbi, queriam mapas, mapas e mapas. Frequentemente julgava-os mesquinhos e arrogantes por nem tirar os óculos escuros para pedir uma informação. Mas eu sou assim, eu julgo, eu sou um juíz sombrio e reconheço minha sombra, mas também sei sorrir e mostrar boa vontade. :)

Aqui em Portugal é preciso levar tudo na esportiva, eles são diretos, mas meio estabanados. Parece que nada os estressa, embora trabalhem tanto, aqui é o país do "Deixa estar e tá-se bem.". Acho que muita coisa precisa melhorar, mas é impressionante ver como as pessoas são solidárias, o isolamento social foi a maior prova disto. Até os pedintes me dão "Bom dia", se fosse no Rio de Janeiro, meu "bom dia" seria uma facada ou um tiro. A primeira pessoa de Portugal que conheci foi uma professora madeirense que vivia na Alemanha. Nos conhecemos porque eu precisava fazer um """teste""" provando ter domínio oral e escrito da língua portuguesa, uma vez que não tinha conhecimentos de francês ou latim, as línguas que se aprendem no Gymnasium, além do inglês. Achei uma grande palhaçada, uma burocracia inútil, mas com dezessete anos ainda precisva me curvar e obedecer às regras, mas valeu a pena conhecer a H. Me fez muito bem conhecê-la, achei muito simpática, só confirmou o fato que tenho uma afinidade com o pessoal daqui, eu descendo deles, como muitos brasileiros também devem descender. Morar em Portugal foi voltar às origens, conehcer um pouco melhor esse pequeno país que já vinha cativando muitos estrangeiros.

Eu gosto da maneira deles levarem a vida, sentia que tudo era muito sério na Alemanha e que ninguém sabia se divertir. Portugal me proporcionou ser um "entertainer", um Mickey Mouse que leva alegria para outras pessoas. Claro que o turismo pode ser cruel, vi gente sendo despejada, alguns amigos meus já me contaram relatos, é horrível e acho que podemos encontrar o equilíbrio (meu signo falando por mim novamente).

Portugal é mágico, a energia daqui é boa, um país pisciano em plena era de Aquário, que loucura. O Porto já foi a cidade do vinho, mas hoje é a cidade dos guindastes, ou das gruas como falam por aqui. Dois anos se passaram e eu quero fazer um passeio virtual pelo meu Porto com você. Venha descobrir os motivos que me fizeram me apaixonar por esta cidade, que por ser Invicta, vai vencer essa pandemia e voltar a fascinar pessoas.

1. Mensagens do "HOJE", a voz do Porto que fala comigo nos momentos de maior aflição.

Quantas vezes me peguei zanzando pelas ruas da Baixa e me deparava com um cartaz colado com alguma frase que começava com "Hoje é..." e terminavam tocando o meu coração até o final do dia.
Eu não sei a autoria dos cartazes, mas eles são especiais para mim, uma poesia urbana. O Porto tem muitas vozes, mas estes cartazes mexem comigo de uma forma muito positiva e sou grato por eles.

2. Grafittis que mostram que a beleza urbana vai além dos azulejos portugueses.

Não é segredo nenhum que sou apaixonado por azulejos, tanto que recomendo a todxs visitar o Banco de Materiais, um local que conta com um acervo de azulejos e peças de ferro e estuque locais. O banco é gratuito e vale a pena ser visitado. Fica ao lado do Palacete dos Viscondes de Balsemão, na Praça de Carlos Alberto. De qualquer forma, não vou escrever muito sobre os azulejos, eles merecem um artigo à parte. Os grafittis presentes no Porto são lindos, um dos meus favoritos é o gato gigante e azul em uma dos becos da rua das Flores. Eu sempre levei turistas ali, eles sempre gostaram e sempre mostrava o melhor ângulo para fotos ou para admirar. Fazer visitas guiadas é escrever uma parte da história de uma pessoa que está na sua cidade, acho que é por isso que amo tanto esta profissão, embora já tenha passado muita raiva também.

3. Café Almada, ao lado do Bingo da Trindade.

É um café simples, um "pé sujo", como dizemos no Brasil. A comida é simples, os preços são convidativos, a equipe é fantástica e sempre bem disposta. Há sempre muitos estudantes, turistas e sempre pedi o número 30 acompanhado de um fino (copo de 20cl de cerveja local) ou de um guaraná antártica. Sim, eu bebi mais guaraná em Portugal que no Brasil, podem rir, porque eu também rio disto. Recomendo passar lá, levar uma pessoa para almoçar comigo no Almada é quase como uma prova de amor! Meu restaurante preferido na Invicta, talvez se torne o seu também.

4. Castelo do Queijo e tardes à beira-mar.

Eu procurei uma cidade com natureza e perto do mar, o Porto atendeu todos os meus requisitos, além de me entender e de ter ótimos vinhos. Quantas tardes passei nas praias do Porto e de Matosinhos, desde o farol da Foz do Douro até o Castelo do Queijo, às vezes até ia passear pelo Parque da Cidade. Quando cheguei aqui, o tempo estava frio e nublado. Fiquei decepcionado, porque não queria mais morar em um lugar tão frio quanto a Alemanha, mas algumas semanas depois, pude ver a Invicta vestida de sol. O Castelo do Queijo é pequeno, mas seu entorno é mágico, contando com praias, infraestrutura urbana e ainda com o maior parque urbano do país, o Parque da Cidade.
Recomendo olhar as ondas e os surfistas de Matosinhos, ou até mesmo as pedras que compõem o castelo.

5. Festa de São João.

Essa é sem dúvida a festa mais frequentada e mais portuense que você irá frequentar. A tradição de celebrar o São João Portuense no dia 23 pro 24 de junho remete aos tempos do paganismo e celebração do solstício de verão, mas o catolicismo deu uma roupagem e nome diferente ao evento. Cheguei no Porto no dia 06 de junho, a cidade já estava decorada com bandeirinhas e fitas coloridas, cheirava a sardinha assada e as mulheres vendiam manjerico. Inclusive, teve uma exposição nos Aliados com vários exemplares. Como este ano não haverá festa, nem martelos de plástico ou alho-poró nas nossas cabeças, fica apenas a lembrança das edições passadas e a certeza de que a tradição continuará. 

Espero que tenham gostado de conhecer alguns detalhes do Porto e um pouco mais do lugar que escolhi e já consigo chamar de lar. <3

- Raphael



























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